quarta-feira, 21 de dezembro de 2016

Heróis Anónimos (2) - Jornalismo de Agência - História da Lusitânia e da ANI (1944 - 1975), de Wilton Fonseca e António Santos Gomes, lançamento a 5 de Janeiro


Lusitânia e ANI (1944- 1975): e o jornalismo em Portugal nunca mais foi o mesmo

A trilogia “Heróis anónimos” recria o percurso das agências noticiosas portuguesas que antecederam a LUSA

O livro “Heróis anónimos 2: jornalismo de agência – história da Lusitânia e da ANI (1944 – 1975)”, um trabalho de investigação jornalística sobre as duas agências noticiosas portuguesas que marcaram o jornalismo português antes do 25 de Abril, é apresentado no dia 5 de Janeiro, às 18h00, na Casa da Imprensa, em Lisboa.

O livro tem um prefácio de Pedro Feytor Pinto, que negociou a entrega do poder aos militares revoltados, no dia 25 de Abril de 1974. Será apresentado por Mário Matos e Lemos, o único jornalista que trabalhou na Lusitânia e na ANI. Tanto a primeira (fundada em 1944) como a segunda (fundada em 1947) desapareceram em 1975, na altura em que o Estado português decidiu criar uma agência noticiosa única, a ANOP.

O segundo volume da trilogia “Heróis anónimos – jornalismo de agência” foi escrito pelo jornalista Wilton Fonseca e por António Santos Gomes, o qual exerceu as funções de Director Técnico da ANOP e da Lusa.

A trilogia (o primeiro volume foi publicado em Maio de 2016) pretende dar a conhecer a estrutura e o modo de funcionamento das agências noticiosas portuguesas que antecederam a Lusa e também os jogos políticos que marcaram o surgimento, o desenvolvimento e o fim das quatro empresas. A obra inclui uma série de documentos inéditos, que os autores reputam de grande importância para os estudiosos da história dos meios de comunicação social em Portugal.

“Transparência foi o que menos ocorreu nos conturbados processos que envolveram o destino das duas agências, com as derivas kafkianas que à distância do tempo impressionam pelo que deixam revelado quanto à obsessão de manter sob influência política esse poderoso instrumento que constitui o serviço de informação de uma agência noticiosa” - escreveu no prefácio do primeiro volume o vice-presidente da Assembleia da República, deputado Jorge Lacão. As mesmas palavras também poderiam servir para descrever o processo que marcou o fim da Lusitânia e da ANI.

No terceiro volume da trilogia, os dois autores do segundo volume voltam a reunir-se ao coautor do primeiro, o jornalista Mário de Carvalho. O volume reunirá um conjunto de depoimentos sobre aspectos decisivos da história das quatro agências, escritas por pessoas que os protagonizaram.

segunda-feira, 12 de dezembro de 2016

António Esperança (1942 - 2016)


O jornalista António Esperança, que passou pelos quadros da ANOP e da Lusa, faleceu a 26 de Novembro pp.

Do António Esperança guardo duas imagens - furiosamente contraditórias. Por um lado, nos anos agitados de 1974, 1975, 1976... o Esperança era o rosto mais ortodoxo do PCP, numa Redacção profundamente dividida e onde eu me encontrava do lado oposto; por outro, fora dos Plenários, nas expedições gastronómicas e vinícolas, em dias e noites de borga, ele era um companheiro ideal (o Mário Silva, também do PCP, acompanhava-nos amiúde, nomeadamente à zona do Ginjal, em Cacilhas, quando o Ponto Final ainda eram cenário neo-realista e não estava nas agendas da Time Out).

Não admira, pois, que o Esperança e eu, durante quase uma década, tenhamos feito, os dois, sózinhos, longas viagens pelo Inverno da Europa. Em Citroen Diane sucessivos, sempre com  ele a guiar, passámos os cols mais altos dos Pirenéus, passámos depois aos mais exigentes cols alpinos.

Espanha, França, Itália, Alemanha, Áustria e... sobretudo, Andorra, foram percorridos em longas horas de discussões, que raramente versavam a política. Munido de uma cultura geral sólida, o Esperança era um interlocutor ideal. Dormia-se no carro, comiam-se umas sandes... até, no regresso a Portugal, fazer a obrigatória paragem no Principado. Aí, em raid aos supermercados, muníamo-nos de cervejas das mais variadas marcas, de champanhe, queijos, salmão fumado, caviar, chocolates... para refeições verdadeiramente gourmet numa altura em que esses artigos ainda não estavam facilmente disponíveis em Portugal.

Era uma grande aventura andar por esses tempos pela Europa - com poucas auto-estradas, sem telemóvel ou GPS, com passaporte nas fronteiras e moedas diferentes em cada país. Sobretudo, era arriscado por se fazer em Diane já velhos. O Esperança, com a sua média inexorável de 100 km/h (o carro também não dava para muito mais) conseguia, mesmo assim cumprir os horários que tínhamos estudado e preparado em Lisboa, consultando conscienciosamente os enormes mapas desdobráveis.

Numa dessas viagens, o então Chefe de Redacção da ANOP, Maximino Correia, que andava de Porsche e tinha sido piloto desportivo, apostou connosco que não chegaríamos ao túnel do Monte Branco nos dois dias que tínhamos previsto. Pouco antes de se completarem as 48 horas de viagem, lá tirámos o bilhete de travessia do túnel, do lado francês, com a hora marcada, para poder provar que tínhamos conseguido. Noite estrelada à entrada do túnel, nevão gigantesco do lado italiano, com as estradas cortadas e o Diane a conviver com Mercedes, BMW e outros, todos parados, com os passageiros a beberem bebidas quentes num café de fronteira, até à reabertura das vias. O Diane, leve, com "calça alta", conseguia, com correntes nas rodas, andar por onde outros só se atreviam com tracção 4x4.

Um episódio, de ente muitos, que aqui recordo, em memória do meu companheiro de estrada nesses idos de há quase 40 anos - a 16 de Março de 1978 entrávamos em Itália, vindos de Nice. Nesse mesmo dia, saíamos pela fronteira, pelo lago de Como, até à Suíça. Na manhã seguinte, pela rádio, soubemos que o primeiro-ministro Aldo Moro tinha sido raptado exactamente no dia anterior, pelas Brigadas Vermelhas, em Roma. Não demos por nada, nem a fronteira nos pareceu especialmente vigiada.

Numa dessas viagens, depois da paragem obrigatória em Andorra, e por indicação do então delegado da Rádio Nacional de Espanha em Portugal, Ramon Font, e a caminho de Valência, parámos em Los Palmares, pequena localidade entre palmeiras e canais, deserta fora da época turística. O ojectivo era comer um óbvio arroz à valenciana. Um restaurante abriu propositadamente para nós. Disseram-nos para ir dar uma volta, até que a paella estivesse pronta. Deambulando pelos canais, vimos num deles Félix Rodríguez de la Fuente, o célebre autor dos programas televisivos Fauna Ibérica, liderando a sua equipa em filmagens. No regresso, o cheiro do açafrão guiou-nos até à paella recém-preparada numa frigideira enorme, acompanhada de cerveja servida em jarro de alumínio. Foi uma das melhores refeições de toda a minha vida. Graças ao António Esperança. Ergo o meu copo (agora de cerveja sem álcool) à sua memória. Até sempre, Esperança!

Fernando Correia de Oliveira


Na imagem de cima, no Inverno de 1979, num dos cols mais altos dos Alpes italianos. A estrada estava cortada por um nevão e o Diane do Esperança, comigo como "co-piloto", foi o primeiro a passar, depois do trabalho do limpa-neves...